quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

AS SURRADAS SANDÁLIAS DA FÉ.

Roberto Villani

            Conta-nos uma lenda, me foi narrada há alguns anos por uma senhora, que Jesus, ao caminhar por Jerusalem, cruzou com um pastor de ovelhas que levava presa numa corda uma cordeira para negociá-la. E Jesus lhe disse:
            - Queres negociar? Troco minhas sandálias pelo teu animal.
            Ajoelhou-se o pastor assim que reconheceu o Mestre. E Lhe respondeu:
            - Senhor, honra para mim a tua oferta. Mas meu animal não vale as tuas sandálias... - pelo que Jesus retrucou: - Minhas sandálias estão surradas pelo meu eterno caminhar. Mas se concordares com minha oferta, dar-te-ei esta missão: com elas nos teus pés, andarás pelos caminhos dos séculos levando aos incrédulos a Fé em nosso PAI e em mim. Sereis minha Fé personificada, por todo o sempre.
            E assim se fez.
            Frederico, imigrante italiano, chegou no Brasil por pai e mãe em busca de trabalho no cultivo de café. Menino de sete anos, deslumbrou-se com a viagem de navio a vapor, com o mar aberto ao sol, à lua, às estrelas e às esperanças de vida melhor. Desceu no porto de Santos e, ao primeiro contato dos seus pés com o solo brasileiro, suplicou:
            - Dio, si prega, di aiutare i miei genitori. - pedia proteção de Deus aos seus pais.
            Subiram a Serra do Mar, atravessaram a capital São Paulo, e se instalaram numa fazenda do Vale do Paraíba. Não fora difícil para eles, uma vez que a expansão das lavouras cafeeiras promovia contratações de mão de obra imigrante. Nessa proposta, agentes aliciadores levavam às fazendas pessoas assim que chegavam principalmente de navio.
            O menino Frederico imaginava que Deus haveria de conduzir seus pais a uma vida de fartura. Deus e Jesus, a quem ele rezava diariamente. Na fazenda havia uma capela dedicada à Nossa Senhora das Dores, na qual todos domingos um padre chegava até lá e rezava uma missa aos colonos. Frederico não perdia, fizesse sol ou chuva. Ajoelhava-se na primeira fileira de bancos e orava com fervor. Sempre pedindo em favor do pai e da mãe. Algumas vezes, o jovem italiano observava um homem entrar na capela, silencioso, e postar-se encostado na parede lateral. Roupas simples de colono, Frederico prendia o seu olhar nas surradas sandálias do homem; tinham algo misterioso que o menino não conseguia decifrar.
            E a vida passou pelo tempo. Sua mãe morreu de pneumonia e seu pai, abatido pela perda da esposa, enlanguesceu. Pouco depois, partiu vítima de aneurisma cerebral. Com a morte deles, Frederico já não mais cultivava tanto a fé. Mostrava-se sempre absorto, quem sabe fugindo da realidade que ele considerava injusta. Mas como já havia concluído o curso ginasial, realizado na escola da fazenda, resolveu deixá-la e aventurar-se na cidade. Tinha umas parcas economias, herança dos falecidos pais, o que por algum tempo lhe daria garantias para acomodação e alimento.
            Certo dia, cansado de inutilmente procurar emprego, com suas economias em estado de alerta, Frederico deixou de acreditar nas forças divinas que o alentavam. Na verdade, certo desespero tomava conta dos seus pensamentos. Não sabia o que fazer. Pensou até em mudar-se para a capital e tentar a sorte por lá. Mas não tinha mais dinheiro suficiente para instalar-se numa cidade tão grande. Além da acomodação que fosse numa pensão modesta, mais comida e transporte sairiam muito dispendiosos. Decidiu sentar-se num banco da praça principal da cidade. Quem sabe, em contato com a Natureza, seus pensamentos poderiam conduzi-lo a soluções plausíveis. E assim o fez.
            - Bom dia, senhor! - disse-lhe um homem maltrapilho, talvez morador de rua pela aparência. - Posso sentar-me ao seu lado? - e com a anuência do Frederico, o homem acomodou-se no banco. E prosseguiu: - Vejo que o senhor está triste. Mas os tropeços que enfrentamos pela vida são para nos ensinar a andar, a observarmos bem por onde pisamos. E não devemos desanimar por eles. São lições que o PAI nos dá para evoluirmos, para crescermos. Com fé, o senhor irá reencontrar a felicidade. - levantou-se e afastou-se. Frederico pode ver nos pés do tal homem sandálias incomuns à época e lembrou-se daquele que frequentava a capela da fazenda. Mas aquietou-se.
            Bom tempo depois naquela tarde, Frederico já decidia voltar à pensão, chegou-se a ele outro homem, bem vestido, terno, camisa e gravata brancos. Sentou-se ao lado do Frederico e...
            - Por desejo de quem muito te ama, venho entregar-te este endereço para que nele reencontres a tua fé. - disse e entregou ao Frederico um pedaço de papel. - Apresente-se ao senhor Gabriel. - ergueu-se e partiu sem dizer mais nada. E Frederico pode ver nos seus pés as mesmas surradas sandálias, apesar da bela indumentária branca.
            Esse episódio findo, com a tal visita ao senhor Gabriel, Frederico mudou totalmente a sua maneira de ver a vida. Completou os estudos, casou, teve três filhos e tornou-se empresário de sucesso na área comercial. Mas também se fez apregoador da Fé, apresentando-a, em palestras voluntárias, como o único caminho para a felicidade. E mantinha-se sempre muito bem vestido, mas sem nunca tirar dos pés as surradas sandálias da Fé.

  



quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015