Roberto
Villani
Conta-nos
uma lenda, me foi narrada há alguns anos por uma senhora, que Jesus, ao
caminhar por Jerusalem, cruzou com um pastor de ovelhas que levava presa numa
corda uma cordeira para negociá-la. E Jesus lhe disse:
-
Queres negociar? Troco minhas sandálias pelo teu animal.
Ajoelhou-se
o pastor assim que reconheceu o Mestre. E Lhe respondeu:
-
Senhor, honra para mim a tua oferta. Mas meu animal não vale as tuas
sandálias... - pelo que Jesus retrucou: - Minhas sandálias estão surradas pelo
meu eterno caminhar. Mas se concordares com minha oferta, dar-te-ei esta
missão: com elas nos teus pés, andarás pelos caminhos dos séculos levando aos
incrédulos a Fé em nosso PAI e em mim. Sereis minha Fé personificada, por todo
o sempre.
E
assim se fez.
Frederico,
imigrante italiano, chegou no Brasil por pai e mãe em busca de trabalho no
cultivo de café. Menino de sete anos, deslumbrou-se com a viagem de navio a
vapor, com o mar aberto ao sol, à lua, às estrelas e às esperanças de vida
melhor. Desceu no porto de Santos e, ao primeiro contato dos seus pés com o
solo brasileiro, suplicou:
- Dio, si prega, di aiutare i miei
genitori. - pedia proteção de Deus aos seus pais.
Subiram a Serra do Mar, atravessaram
a capital São Paulo, e se instalaram numa fazenda do Vale do Paraíba. Não fora
difícil para eles, uma vez que a expansão das lavouras cafeeiras promovia
contratações de mão de obra imigrante. Nessa proposta, agentes aliciadores
levavam às fazendas pessoas assim que chegavam principalmente de navio.
O menino Frederico imaginava que
Deus haveria de conduzir seus pais a uma vida de fartura. Deus e Jesus, a quem
ele rezava diariamente. Na fazenda havia uma capela dedicada à Nossa Senhora
das Dores, na qual todos domingos um padre chegava até lá e rezava uma missa
aos colonos. Frederico não perdia, fizesse sol ou chuva. Ajoelhava-se na
primeira fileira de bancos e orava com fervor. Sempre pedindo em favor do pai e
da mãe. Algumas vezes, o jovem italiano observava um homem entrar na capela,
silencioso, e postar-se encostado na parede lateral. Roupas simples de colono,
Frederico prendia o seu olhar nas surradas sandálias do homem; tinham algo
misterioso que o menino não conseguia decifrar.
E a vida passou pelo tempo. Sua mãe
morreu de pneumonia e seu pai, abatido pela perda da esposa, enlanguesceu. Pouco depois, partiu vítima de aneurisma
cerebral. Com a morte deles, Frederico já não mais cultivava tanto a fé.
Mostrava-se sempre absorto, quem sabe fugindo da realidade que ele considerava
injusta. Mas como já havia concluído o curso ginasial, realizado na escola da
fazenda, resolveu deixá-la e aventurar-se na cidade. Tinha umas parcas
economias, herança dos falecidos pais, o que por algum tempo lhe daria
garantias para acomodação e alimento.
Certo dia, cansado de inutilmente procurar emprego, com
suas economias em estado de alerta, Frederico deixou de acreditar nas forças
divinas que o alentavam. Na verdade, certo desespero tomava conta dos seus
pensamentos. Não sabia o que fazer. Pensou até em mudar-se para a capital e
tentar a sorte por lá. Mas não tinha mais dinheiro suficiente para instalar-se
numa cidade tão grande. Além da acomodação que fosse numa pensão modesta, mais
comida e transporte sairiam muito dispendiosos. Decidiu sentar-se num banco da
praça principal da cidade. Quem sabe, em contato com a Natureza, seus
pensamentos poderiam conduzi-lo a soluções plausíveis. E assim o fez.
- Bom dia, senhor! - disse-lhe um homem maltrapilho,
talvez morador de rua pela aparência. - Posso sentar-me ao seu lado? - e com a
anuência do Frederico, o homem acomodou-se no banco. E prosseguiu: - Vejo que o
senhor está triste. Mas os tropeços que enfrentamos pela vida são para nos
ensinar a andar, a observarmos bem por onde pisamos. E não devemos desanimar
por eles. São lições que o PAI nos dá para evoluirmos, para crescermos. Com fé,
o senhor irá reencontrar a felicidade. - levantou-se e afastou-se. Frederico
pode ver nos pés do tal homem sandálias incomuns à época e lembrou-se daquele
que frequentava a capela da fazenda. Mas aquietou-se.
Bom tempo depois naquela tarde, Frederico já decidia
voltar à pensão, chegou-se a ele outro homem, bem vestido, terno, camisa e
gravata brancos. Sentou-se ao lado do Frederico e...
- Por desejo de quem muito te ama, venho entregar-te este
endereço para que nele reencontres a tua fé. - disse e entregou ao Frederico um
pedaço de papel. - Apresente-se ao senhor Gabriel. - ergueu-se e partiu sem
dizer mais nada. E Frederico pode ver nos seus pés as mesmas surradas sandálias,
apesar da bela indumentária branca.
Esse episódio findo, com a tal visita ao senhor Gabriel, Frederico
mudou totalmente a sua maneira de ver a vida. Completou os estudos, casou, teve
três filhos e tornou-se empresário de sucesso na área comercial. Mas também se
fez apregoador da Fé, apresentando-a, em palestras voluntárias, como o único
caminho para a felicidade. E mantinha-se sempre muito bem vestido, mas sem
nunca tirar dos pés as surradas sandálias da Fé.