Na sexta-feira, dia 1º de maio de 1500, frei Henrique Soares de Coimbra caprichou nos detalhes cênicos sobre o grande palco que ele mandara erguer. Toda a tripulação da esquadra de Cabral foi autorizada a deixar as naus e, “cantando em maneira de procissão”, com os estandartes da Ordem de Cristo desfraldados à frente da comitiva, mais de mil homens seguiram em direção ao local “onde nos parecera ser melhor fincar a cruz, para melhor ser vista”.
Em
verdade, seria difícil deixar de ver a cruz, pois ela passava dos sete metros
de altura. Era tão pesada, que os índios ajudaram os marinheiros a carregá-la.
A missa, na verdade, foi conduzida como um evento teatral. Atraiu a atenção de
aproximadamente 150 índios: nossa primeira plateia. Como se vê, o Teatro Amador
brasileiro é tão velho quanto o Brasil.
O
nosso primeiro diretor e escritor teatral amador, José de Anchieta, entra em
cena meio século mais tarde. Quando chega ao Brasil, no dia 13 de junho de 1553,
Anchieta é um jovem de 19 anos de idade, de compleição frágil e que padecia de
"espinhela caída”.
Em
sua infância e adolescência, Anchieta recebeu influências culturais
renascentistas e da agitação reformista que abalava as estruturas do
catolicismo. Mas sua formação também se construiu sobre tradições espanholas,
açorianas e portuguesas, além de receber algumas informações sobre costumes
africanos. No ano de 1548 inicia seus
estudos de seminarista no momento em que se rompe a unidade cristã ocidental
com a Reforma Protestante: a Igreja decide se apoiar, para conter o avanço do
protestantismo, no tribunal da Santa Inquisição, no índice de Livros Proibidos
e na Companhia de Jesus.
O
que faltava de vigor físico ao jovem padre, no momento em que chegou ao Brasil,
sobrava em sensibilidade. Anchieta logo percebeu o quanto os pequenos índios,
os “curumins”, se encantavam com as encenações vinculadas à liturgia. Por isso,
tendo em vista alguns objetivos didáticos e de proselitismo religioso, Anchieta
decidiu-se por produzir e encenar peças teatrais.
Os
textos criados eram autos, inspirados no teatro de Gil Vicente (1465-1537) com
o qual Anchieta teve contato, no seu tempo de estudos em Coimbra. Os autos são
composições religiosas-pastoris, que têm como tema central os valores da época.
Gil Vicente, expoente da dramaturgia portuguesa renascentista, costumava
enxertar, nos seus textos, conselhos e advertências, condenando a cobiça, o
poder do dinheiro, os vícios vinculados à luxúria.
Gil
Vicente analisava, com certa agressividade, a sociedade portuguesa, utilizando
o Teatro como órgão da opinião pública. Ele pintava a sociedade, carregando nas
tintas quando se tratava de expor os defeitos humanos. A rispidez de Gil Vicente
influenciou Anchieta, mas também podemos encontrar na obra do “vigário dos
índios” traços dos escritores teatrais espanhóis (que, portanto, escreviam na
língua materna de Anchieta), como Calderón
de La Barca e Tirso de Molina. José de Anchieta jamais chegou a escrever tão
bem quanto seus inspiradores: sua obra teatral está repleta de moralidades e de
mistérios, mas é muito mais singela, linear, em seus conflitos e tratamento dos
temas.
Anchieta
herdou de Gil Vicente a temática maniqueísta do confronto entre Bem e Mal.
Ambos apresentavam o Demônio um ente malévolo, que apresentava suas razões com
discursos galhofeiros e fanfarrões, confrontando-se com o Anjo. O embate não é
direto: a luta é pela alma de alguém. No caso de Gil Vicente há alternância: hora
vence o Bem; hora vence o Mal. Em Anchieta, as preocupações didáticas o levam a
fazer com que o Bem seja sempre vencedor.
Ney Vilela
Coordenador de Artes e Cultura da Prefeitura Municipal de São Carlos
Coordenador Regional do Instituto Teotônio Vilela de Estudos Políticos
rofessor de Teorias da Comunicação da Faculdade de Comunicação Social da Fundação Raul Bauab
Ney Vilela
Coordenador de Artes e Cultura da Prefeitura Municipal de São Carlos
Coordenador Regional do Instituto Teotônio Vilela de Estudos Políticos
rofessor de Teorias da Comunicação da Faculdade de Comunicação Social da Fundação Raul Bauab